sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CUIDANDO DO SER XXIII - TRIBUTO AO VAZIO EXISTENCIAL



          Alguns certamente dirão que o texto é pessimista. Outros, que é forte. Para mim, ele é real e libertador. Tire você mesmo suas próprias conclusões.
Demorei 31 anos da minha vida para descobrir o poder do vazio e o impacto que ele causa no ser humano. Para chegar a esse ponto, algumas experiências tiveram de ser vividas e  sentimentos intensos tiveram de ser elaborados com muito cuidado e paciência. Não sem desconforto e algumas vezes com uma boa dose de solidão e angústia.
Com relação aos sentimentos elaborados, gostaria de escrever sobre a sensação de posse. A perda da sensação de segurança em ter alguma coisa. O sentimento de possuir confrontado com a realidade de que nessa vida, de fato e de direito, não temos nada, não possuímos nada, o que se tem é “ilusão de pertença”. Chegamos a esse mundo e vamos dele sem levar absolutamente nada. Todavia, a nossa alma insiste em nos “trair” e transmitir a impressão de que temos alguma coisa, de que possuímos ou de que somos donos. Nem a nossa vida nos pertence.
O que a vida faz é nos emprestar. A vida nos empresta amigos. A vida nos empresta pais. A vida nos empresta filhos. A vida nos empresta momentos felizes. A vida nos empresta “momentos no telhado”. A vida nos empresta esposa. A vida nos empresta casa ou carros. Tudo que temos ou possuímos não passa de um empréstimo generoso que a vida nos concede. E como um bom empréstimo, mais cedo ou mais tarde, teremos de devolver.
Não queremos empréstimos, queremos para sempre. Tendemos ao sentimento de possessão. É meu amigo, é meu pai, é meu filho, é eternamente meu! E por tantas vezes e por muito tempo se fica autoafirmando uma ilusão de posse e se perde a oportunidade de viver o momento sagrado da presença, do encontro. Chegar a essa elaboração foi muito difícil, como disse acima, mas, igualmente muito libertador.
Assim, fui impulsionado a repensar o que possuía em meu guarda-roupa. Em uma manhã de julho, acordei e fui colocando para fora todo tipo de roupas antigas, sapatos que estavam ali e há muito tempo não usava. O guarda-roupa, então apertado, ficou bem vazio. Depois, comecei a limpar o “guarda-roupa” do meu coração. Comecei a tirar coisas que estavam ali, que achava não precisar e sentimentos de posse que achava ser meu. Como ficou vazio o guarda roupa do quarto!  O do coração então, ficou bem vazio!
É angustiante tentar domesticar o vazio. Não é tarefa fácil. Insisti, persisti, acusei o golpe, mas aguentei o tranco. Precisava estar face a face com o vazio existencial. Foi uma luta épica que durou longos dias travada no “absconditus” da minha alma, mas estava ali e não iria permitir ajuda de distrações e lantejoulas querendo ocupar o espaço vazio de meu coração. Foi minha decisão esvaziá-lo, não iria voltar atrás! Era o momento do encontro com o vazio, com o vazio existencial. Parece que a guerra foi vencida. O vazio existencial persiste, agora domesticado. Assim, permito a sua presença necessária. Pois é nesse espaço que a vida vem colocar graciosamente os presentes que, vez por outra, ela insiste em nos conceder, ou melhor, nos emprestar, como, por exemplo, a visita ilustre e inesperada, no dia dos pais, do meu grande pai e minha querida irmã, preenchendo o vazio da saudade e da impossibilidade da minha parte de visitá-los. Foi muito gratificante, emocionante, diria.
Tenha coragem!  Permita-se! Prepare-se para estar diante do vazio existencial. Arrume espaço em seu guarda-roupa para a vida preencher os vazios. Ela não costuma decepcionar. Não tem me decepcionado. Outros afetos e encontros virão, acredite! 
 Hoje, esse espaço está sendo preenchido por novas experiências, novas pessoas, novos encontros, outros momentos, outras falas e ilustres afetos. Contudo, sem a ilusão de pertença ou possessão, apenas de gozo e de alegria em viver o que a vida me permitir viver, me lembrando sempre que “é eterno apenas enquanto durar” e que há felicidade nisso. Sem ansiedades ou continuidades castradoras, sem cobranças, sem peso, sem medo, apenas livre e liberto como a alma se propõe e almeja ser. Cuidando do ser. Não temos nem o passado, nem o futuro, apenas o presente. E esse insiste em escapar pelos dedos. Mas, a felicidade está em vivê-lo intensamente. Não esquecendo (por completo) o que se passou, nem ansiosamente preocupando-se com o por vir. Apenas supervalorizando os encontros, os momentos que a vida insiste em nos presentear, seja conosco mesmo, seja com o outro, seja com o imponderável de um dia de sol a beijar nosso rosto com seu calor, ou de um dia chuvoso, em que inesperadamente a chuva vem acariciar nossa pele com sua água fria e relaxante.
Depois que esvaziei o meu guarda roupas, novas roupas chegaram... talvez você também precise esvaziar o(s) seu(s) guarda-roupa(s), para dar lugar a novas roupas,  e a novos afetos e encontros. Assim, certamente perceberá que afetos antigos se revestirão de novas roupagens e novas perspectivas, e que o vazio não é tão aterrador como o pensamos!!!

“Ontem é passado, o amanhã é futuro, hoje é dádiva, por isso se chama presente.”


Por  Luciano de Paula. 
17/08/2012.


1 comentário: