domingo, 31 de outubro de 2010

CUIDANDO DO SER VIII - REQUINTES DE CRUELDADE

     REQUINTES DE CRUELDADE.
     O fato aconteceu a uns doze anos atrás. Escrevi uma carta para uma amiga. Guardei em um bolso secreto dentro de minha mochila e fui a um fim de semana visitar meus pais. Nessa época estudava e morava em São Paulo. Um “amigo” mexeu em minhas coisas, achou a carta, tirou xerox e deu para outro amigo. Aquele ato foi mau, foi cruel, me expos e tive de dar cabo a uma amizade por conta de um ato maquinado meticulosamente.
      Amo a liberdade, amo poder gostar de pessoas e me relacionar. Amo conhecer mundos diferentes. Hoje mesmo fiquei até mais tarde conversando com dois colegas e parece que fiz uma viagem ao longe, tamanha a riqueza da troca, da vida, da experiência, da cumplicidade.
     Ao contrário da liberdade, menosprezo a prisão da alma e a crueldade no comportamento. E, nessa busca incessante do humano, descobrir uma série de comportamentos que chamarei de Requintes de crueldade. Existem pessoas que não se relacionam livremente, mas têm em seus atos segundas intenções. Nada é natural. Nada é impensado. Nada é espontâneo. Tudo é meticulosamente calculado. Planejado e arquitetado com uma precisão assombrosa. Chego a me espantar! Usam a fala, os gestos e a escrita para um fim outro e não sincero, às vezes, até para provocar o mau, o desequilíbrio, a desconstrução e o desencanto. São pessoas más em sua essência. O exterior nem de longe, diz quem são por dentro.
     Ainda assim, procuro dia a pós dia a liberdade, o prazer de uma alma livre. Epicuro ficaria feliz em ler isso, acredito. E seria para mim impossível conviver, viver, estar, subsistir, existir, me dedicar e me relacionar tendo em meu circulo de relacionamentos pessoas que sei, por outros e por mim mesmo, que trazem em si requintes de crueldade. De fato, para mim seria uma empresa impossível.
     Quem ama não maquina. Quem ama não é sagaz. Quem ama não é oportunista. Quem ama não vê em cada oportunidade a chance de tirar vantagem. Quem ama não arquiteta o magoar. Quem ama vive e deixa viver. Quem ama pode até errar, de fato, mas a sua essência não é recheada de erros e de requintes de crueldade. Se assim for não ama e nunca amou, penso. Como alguém poderia dizer que ama, e em seguida maquinar o mau em direção ao objeto de seu amor? É demais para minha compreensão ilimitada. É incompreensível, enigmático, ilegível, impensável. É inconcebível.
     Como estou cuidando do ser preciso, então, de uma resposta para mim mesmo. Não posso evitar esse tipo de pessoa, mas posso melhorar minha percepção para identificá-las e me afastar, e acredite, elas existem. E estão mais próximas do que imaginam. Não posso tirá-las do mundo, mas não preciso trazê-las para o meu mundo. Não posso imaginar que elas não vão cruzar o meu caminho, mas posso relegá-las aos vãos e insignificantes momentos da vida.
     Admiro tamanha tenacidade, sagacidade, estratégia, meticulosidade, planejamento e precisão na busca de uma segunda intenção em qualquer relacionamento. Mas não é para mim. “É demais, é pesado, não há paz. São apenas irreais expectativas”. Para mim os relacionamentos devem ser livres, leves e sem dúvida, sinceros.
     Requintes de Crueldade e felicidade não combinam, não andam juntos. Felicidade e crueldade, em nenhum lugar, darão as mãos. Na busca humana por felicidade, que também é minha busca, já entendi, a crueldade é uma bagagem pesada demais e muito traumática, e que deve, penso, ficar para trás e esquecida, muito bem esquecida.
     Não sou e nem pretendo ser o referencial a ser seguido. Conheço um infinitamente melhor do que eu. Sou apenas humano. E nessa experiência humana já vi muitas pessoas serem e se portarem de forma cruel em minha direção. Já fui cruel com algumas pessoas em algum momento, preciso reconhecer isso, mas com tristeza no coração. Mas esse é o interessante da vida. Ter a oportunidade de parar tudo, olhar para trás e em seguida voltar o foco para frente e fazer uma nova escolha, adotar um novo caminho, uma nova postura, um novo estilo de vida. E em algum tempo atrás escolhi o caminho da busca da felicidade e essa bagagem tão pesada, a crueldade, a muito tempo não quero e muito menos lembrar que ela já existiu em minha vida. Dessa “mala”, apenas a lembrança por foto.

                                                  Por Luciano de Paula.
                                                                   31/10/10.