sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CUIDANDO DO SER XXIV - Transatlântico.


Algumas pessoas, como eu, se valem de metáforas para tentar explicar de forma mais clara como percebem a vida. Tenho minha maneira especial de ilustrá-la.

Comparo minha vida a um grande transatlântico. Um grande navio construído para desbravar oceanos profundos. Romper tempestades, mares bravios, atravessar dias longos de solidão sem ter nada e ninguém por perto senão o imponderável do oceano ao seu redor.

Comparo os meus grandes amigos a ilhas. Belas ilhas que, na viagem da vida, tenho a oportunidade de encontrá-las e vez por outra reencontrá-las. Esses encontros são sempre recheados de grandes alegrias, rememorações antigas, lembranças marcantes e afetos incomparáveis.

Um transatlântico sempre está de passagem. Ele não pode ficar muito tempo, pois é muito grande para atracar, e é só a maré subir e ele encalha. Esse não é o propósito, por isso os encontros são sempre muito intensos e afetuosos. Sabemos que eles serão sempre breves! Quase sempre sem promessas de retorno, mas com a garantia do amor que é verdadeiro. Esse amor costuma fazer com que nos reencontremos.

A chegada do transatlântico é sempre comemorada com muitos fogos de artifícios, uma mesa farta, uma série de brincadeiras, rola até kart. Todavia, a despedida sempre é muito dramática, pelo menos para mim! Por isso um forte abraço e beijos de despedida.

Beijaria todos os meus grandes amigos ao me despedir, mas tem uns que não dá (coisas de “macho”, então ficamos somente no abraço), mas em minhas grandes amigas dou-lhes um beijo, um beijo de despedida.

Cuidando do ser. Depois que elaborei essa metáfora, a forma com que reencontro meus queridos mudou. É um encontro, pode ser o ultimo. A vida, como o mar, tem os seus mistérios e, numa dessas, certamente não voltarei. Então tem que ser o mais intenso possível. Ao partir, vejo a “ilha” se distanciando, quase sempre o coração aperta, dá um nó na garganta, os olhos enchem de “água”, é a vida que segue. Estou em viagem, estou em cruzeiro e as ilhas não são a chegada, apenas a oportunidade riquíssima de velhos - novos encontros, velhos – novos afetos.

A despedida é forte. A separação dói. A distância incomoda, mas a ilha é apenas uma ilha, o destino da viagem é o porto e é para lá que está indo o transatlântico, levando muitos abraços e beijos de despedida. Se você fosse convidado(a) a fazer hoje uma metáfora que ilustrasse sua vida, qual seria a sua história,  qual seria a sua metáfora de vida?  Arrisque-se. Pense nisso! Eu... Eu estou em viagem, eu estou em cruzeiro! E você?

“O porto é um lugar seguro, mas as grandes embarcações foram feitas para os mistérios e perigos dos oceanos”.


Por Luciano de Paula.
31/08/2012.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CUIDANDO DO SER XXIII - TRIBUTO AO VAZIO EXISTENCIAL



          Alguns certamente dirão que o texto é pessimista. Outros, que é forte. Para mim, ele é real e libertador. Tire você mesmo suas próprias conclusões.
Demorei 31 anos da minha vida para descobrir o poder do vazio e o impacto que ele causa no ser humano. Para chegar a esse ponto, algumas experiências tiveram de ser vividas e  sentimentos intensos tiveram de ser elaborados com muito cuidado e paciência. Não sem desconforto e algumas vezes com uma boa dose de solidão e angústia.
Com relação aos sentimentos elaborados, gostaria de escrever sobre a sensação de posse. A perda da sensação de segurança em ter alguma coisa. O sentimento de possuir confrontado com a realidade de que nessa vida, de fato e de direito, não temos nada, não possuímos nada, o que se tem é “ilusão de pertença”. Chegamos a esse mundo e vamos dele sem levar absolutamente nada. Todavia, a nossa alma insiste em nos “trair” e transmitir a impressão de que temos alguma coisa, de que possuímos ou de que somos donos. Nem a nossa vida nos pertence.
O que a vida faz é nos emprestar. A vida nos empresta amigos. A vida nos empresta pais. A vida nos empresta filhos. A vida nos empresta momentos felizes. A vida nos empresta “momentos no telhado”. A vida nos empresta esposa. A vida nos empresta casa ou carros. Tudo que temos ou possuímos não passa de um empréstimo generoso que a vida nos concede. E como um bom empréstimo, mais cedo ou mais tarde, teremos de devolver.
Não queremos empréstimos, queremos para sempre. Tendemos ao sentimento de possessão. É meu amigo, é meu pai, é meu filho, é eternamente meu! E por tantas vezes e por muito tempo se fica autoafirmando uma ilusão de posse e se perde a oportunidade de viver o momento sagrado da presença, do encontro. Chegar a essa elaboração foi muito difícil, como disse acima, mas, igualmente muito libertador.
Assim, fui impulsionado a repensar o que possuía em meu guarda-roupa. Em uma manhã de julho, acordei e fui colocando para fora todo tipo de roupas antigas, sapatos que estavam ali e há muito tempo não usava. O guarda-roupa, então apertado, ficou bem vazio. Depois, comecei a limpar o “guarda-roupa” do meu coração. Comecei a tirar coisas que estavam ali, que achava não precisar e sentimentos de posse que achava ser meu. Como ficou vazio o guarda roupa do quarto!  O do coração então, ficou bem vazio!
É angustiante tentar domesticar o vazio. Não é tarefa fácil. Insisti, persisti, acusei o golpe, mas aguentei o tranco. Precisava estar face a face com o vazio existencial. Foi uma luta épica que durou longos dias travada no “absconditus” da minha alma, mas estava ali e não iria permitir ajuda de distrações e lantejoulas querendo ocupar o espaço vazio de meu coração. Foi minha decisão esvaziá-lo, não iria voltar atrás! Era o momento do encontro com o vazio, com o vazio existencial. Parece que a guerra foi vencida. O vazio existencial persiste, agora domesticado. Assim, permito a sua presença necessária. Pois é nesse espaço que a vida vem colocar graciosamente os presentes que, vez por outra, ela insiste em nos conceder, ou melhor, nos emprestar, como, por exemplo, a visita ilustre e inesperada, no dia dos pais, do meu grande pai e minha querida irmã, preenchendo o vazio da saudade e da impossibilidade da minha parte de visitá-los. Foi muito gratificante, emocionante, diria.
Tenha coragem!  Permita-se! Prepare-se para estar diante do vazio existencial. Arrume espaço em seu guarda-roupa para a vida preencher os vazios. Ela não costuma decepcionar. Não tem me decepcionado. Outros afetos e encontros virão, acredite! 
 Hoje, esse espaço está sendo preenchido por novas experiências, novas pessoas, novos encontros, outros momentos, outras falas e ilustres afetos. Contudo, sem a ilusão de pertença ou possessão, apenas de gozo e de alegria em viver o que a vida me permitir viver, me lembrando sempre que “é eterno apenas enquanto durar” e que há felicidade nisso. Sem ansiedades ou continuidades castradoras, sem cobranças, sem peso, sem medo, apenas livre e liberto como a alma se propõe e almeja ser. Cuidando do ser. Não temos nem o passado, nem o futuro, apenas o presente. E esse insiste em escapar pelos dedos. Mas, a felicidade está em vivê-lo intensamente. Não esquecendo (por completo) o que se passou, nem ansiosamente preocupando-se com o por vir. Apenas supervalorizando os encontros, os momentos que a vida insiste em nos presentear, seja conosco mesmo, seja com o outro, seja com o imponderável de um dia de sol a beijar nosso rosto com seu calor, ou de um dia chuvoso, em que inesperadamente a chuva vem acariciar nossa pele com sua água fria e relaxante.
Depois que esvaziei o meu guarda roupas, novas roupas chegaram... talvez você também precise esvaziar o(s) seu(s) guarda-roupa(s), para dar lugar a novas roupas,  e a novos afetos e encontros. Assim, certamente perceberá que afetos antigos se revestirão de novas roupagens e novas perspectivas, e que o vazio não é tão aterrador como o pensamos!!!

“Ontem é passado, o amanhã é futuro, hoje é dádiva, por isso se chama presente.”


Por  Luciano de Paula. 
17/08/2012.